Sinopse: Desordens. Distúrbios. INSÂNIAS! Este é o tema de Delirium. Nesta coletânea de contos o autor preza, sobretudo, pela diversidade e a originalidade. Pois em que outro livro você encontraria realidade virtual, experiência com alucinógenos, assassinos sádicos, debates sobre crenças e religião, um desabafo a la Kafka, e, até mesmo, os infortúnios de uma fofoca? Uma culinária diversificada e bem temperada para todos os paladares.
Ler Delirium foi como conversar com uma pessoa que sabe um pouco de tudo e nunca fica sem assunto. A variedade de assuntos sem temas específicos tornam-se uma obra em que tudo se encaixa mais cedo ou mais tarde e a diversidade de temas enriquece os contos de maneira bem traçada.
Em Doutor Sádico encontramos temas bem pesados e atuais. Mentes psicopatas que começam a desenvolverem-se ainda na infância (levantando uma grande questão e impasse dos estudiosos do assunto). Cheio de referências e debates à arte e literatura o conto nos trás episódios que desencadeiam reflexões e mergulham fundo na mente de sádicos. O debate é o ponto alto do conto, deixando a narrativa de ação em segundo plano. Consegui me chocar com algumas cenas que o autor narra no livro e o sentimento de repulsa que creio ter sido intenção do autor, consegue ser palpável por nós nas páginas do conto.
''- O grande Isidore disse em seus escritos que queria ser um animal selvagem, um tigre, para que pudesse matar e não ser considerado mau! Já eu, pelo contrário: ser mau é coisa que me agrada sem igual! - disse uma noite o Doutor Sádico, gargalhando.'' Pág. 25
O segundo conto é chamado Truco e traz um tema corriqueiro: a violência e os assaltos, que hoje são comuns com pessoas de qualquer tipo, faixa etária e classe social, mostrando que todos estamos vulneráveis e na maioria das vezes nunca conseguimos saber qual será nossa reação em um momento desses. Diferente do primeiro que mostra a essência crua e áspera do ser humano, ''Truco'' mostra alguns elementos sobrenaturais e o quanto o medo nos transforma ao ponto de agirmos sem pensar. É um conto rápido e com um final bastante peculiar.
O conto que vem em sequência não poderia ter um título melhor: Agoniado. O sentimento de agonia é passado de personagem para leitor e se você se identificar minimamente que seja terá a mesma sensação. Abordando sobre a depressão (o mal do século) como grande vilã e que causa (ou por consequência) de uma ansiedade latente do ser humano em meio a agitação da cidade.
''A ansiedade é um sentimento degradante, vago, indefinido... Minha mente não para, não descansa um só instante. Um turbilhão de pensamentos desnecessários atrapalha minha concentração, acelera meu coração e adiciona tiques nervosos às minhas já toscar manias.'' Pág. 64
''Entro, então, na loja e pego um isqueiro e um maço do vermelho. Fito a embalagem e a imagem do câncer não me causa desconforto - trocaria, de verdade, o meu atual sofrimento por um tumor daqueles.'' Pág. 67
Telefone sem fio é o quarto conto e a fofoca e escolhas erradas que fazemos por impulso são o foco do conto. Iniciamos relacionamentos sem pretensões e do nada a primeira gaveta está lotada de roupas alheias e tem uma escova de dentes não familiar na pia do banheiro e uma toalha molhada no chão. Tão rápido quanto a atração já temos uma pessoa que mal conhecemos dividindo nossa vida e muitas vezes o ''mal conhecemos'' é realmente algo gritante. Quanto a fofoca, quem nunca teve ou espalhou uma fofoca e ela acabou tomando proporções maiores que acabam por machucar outras pessoas? É realmente como um telefone sem fio: nunca chega apenas uma versão dos fatos para as pessoas. Outro tema bastante importante no conto é sobre a transmissão de DST's e a falta de cuidados que temos com a saúde sexual.
''A questão de todas as questões'' é de longe o meu conto preferido. Fala sobre o que? debates sobre origem, religião e o que acontece após a morte. Um conto sobre milagres, esperança e o melhor: um abrir de olhos para uma sociedade alienada por um dos maiores causadores de longa data: a religião. Em um debate romanceado com ateus, fanáticos religiosos e agnósticos o conto mostra o impasse - podemos dizer mundial - que impede a evolução mental dos indivíduos que dentro da igreja pregam o amor ao próximo e fora dela sentem nojo ao ver uma demonstração de afeto entre pessoas que um livro grande, sugestivo e contraditório considera errado. A relação de religião e Deus é bastante discutida, desde pessoas que O imaginam como um senhor barbudo que decide quem morre e quem vive mais um pouco, a pessoas que acreditam numa força que promove o equilíbrio. O surgimento de uma espécie complexa como a nossa e se deixamos de existir após a morte também é tratado com bastante delicadeza no conto. Claro que infelizmente ainda não temos respostas (se é que um dia teremos) mas os pontos de vistas e opiniões citados são super válidos, principalmente se compartilhamos alguma delas. Lembrei de um título de livro que vi um dia desses, algo como: ''Aprenda a defender a sua fé'' e durante a leitura do conto eu associei: ''Aprenda a defender seu ponto de vista''.
''E, mesmo se ele existiu, o fato de transformar água em vinho, andar na água, ressuscitar pessoas, revelar-se o Deus Todo-Poderoso, e filho dele, e tudo mais é, no mínimo, improvável. Se realmente houve o Jesus Cristo histórico, a quem os ''apóstolos'' creditam os tão famosos ensinamentos, significa apenas que ele era um grande pensador, tal qual Sócrates, Buda ou Confúcio, e não o Deus burro e cruel que a Bíblia afirma.'' Pág. 117
E o que mais gostei, pois me identifiquei bastante com o comentário, pois é uma coisa tão simples e verdadeira, mas que poucas pessoas chegam a conclusão:
''Em minha opinião, é bastante provável que toda religião que ajude alguém funcione simplesmente como um placebo. Por exemplo: eu podia inventar uma religião agora mesmo, onde saberíamos que ela não condiz com a realidade, mas que seria útil se eu pudesse espalhá-la a bilhões de pessoas. Poderia inventar alguns princípios como ''respeite todos os animais'', ''alimente quem não tem do que comer'' e ''nunca use qualquer tipo de arma contra alguém'', e afirmar, ameaçar, que ''se não fizer isso será punido por toda eternidade por treze dragões gigantescos e impiedosos'' [...] Pág. 128
Só mais um quote! Prometo.
''Eu detesto religião, como não canso de falar, mas o ateísmo para mim também não faz sentido! Visto que, para vocês, não há imortalidade depois do túmulo, o que faz a vida parecer absurda, sem um propósito!'' Pág. 145
Continuando, temos outro conto: ''O outro mundo de Henrique'' que traz um personagem cansado da monotonia do dia a dia casa/trabalho, trabalho/casa e busca adrenalina, emoção e distração em um mundo virtual onde um erro pode ser facilmente consertado conseguindo uma nova vida.
''Pouco antes da virada'' mescla a experiência de um futuro melhor com um novo ano chegando com o choque ao saber que é um doente em estado terminal.
O último conto da coletânea chama-se ''Lindos sonhos dourados'' (o título mais fo*a do livro) que trata sobre temas como opinião própria, repertório, conceito de certo ou errado e inveja, onde um personagem sente palpável a diferença de tratamento pelo seus pais ao seu irmão mais novo, decidindo então tomar as rédeas da própria vida e entrando em caminhos parcialmente sem volta. O conto que fecha o livro é que achei que mais conversa com o leitor, o mais interativo. Encontramos diversas referências a músicas e filmes que nos servem de alerta em devidas situações que encontramos no decorrer da vida.
Foi uma experiência incrível a leitura de Delirium e como única ressalva sentida por mim: as histórias mescladas nos debates do decorrer do livro não chegam aos pés dos debates em si. Seja na forma de solução rápida de conflitos ou carência de personagens mais ''pé no chão''. Fora isso, o livro de Carlos Patrício está mais que recomendado por mim. É um misto de temas que agradam diferentes públicos e promove uma reflexão e introspecção no leitor fora do comum.
Quanto a edição: o autor (que deve ter opinado na diagramação) e a editora estão de parabéns. A diagramação conversa bastante com o leitor tornando tudo muito interativo. Os desenhos, as páginas pretas, as citações em destaque... tudo em harmonia para não tomar o lugar da narrativa.
Agradeço muito ao Carlos por te me enviado esta obra tão diferente e esperamos ver mais do autor aqui no blog!
PS: Tem uma playlist magnífica, diga-se de passagem.
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curti, ja coloquei na listinha do meu skoob
ResponderExcluir:D é ótimo Bia!
ExcluirBoa leitura!
Tô só esperando o meu chegar :-)
ResponderExcluirBoa leitura Lucas!
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